É sabido que Kardec expôs os antigos
gregos, notadamente Sócrates e Platão, como precursores da doutrina Cristã e do
Espiritismo (Veja “O Evangelho Segundo o Espiritismo, Indrodução, pág. 32 e
seguintes).
Longe de querer plagiá-lo ou de
querer ser redundante, resolvi me enveredar um pouco mais nesse tema, olhando mais de perto a influência desses filósofos no Espiritismo.
Entre algumas leituras dos textos de
Platão encontrei, como Kardec, claras
alusões ao Espiritismo, tal como essa doutrina é, nos dias de hoje, disseminada pelas
falanges espíritas, suaves brisas espalhando sementes fecundas por toda a
Terra.
Um desses textos, a obra “Cratylos”,
tem como enfoque filosofar sobre a essência da nomenclatura de seres e objetos,
não apenas sob o prisma da etimologia, mas também sob a ótica de ser essa
nomenclatura uma ferramenta investigativa da essência desses mesmos seres e
objetos. Essa obra é uma conversa entre Hermógenes, Sócrates e Cratylus,
reproduzida por Platão.
A certa altura, essas discussões sobre a
semântica que traz a verdade essencial de cada ser existente esbarram nas
discussões sobre a alma e sua significação.
Traduzi aqui, do inglês, trechos dessa obra, porque eles expressam, por si
mesmos, conclusões muito interessantes sobre o valor espírita que carregam.
Sóc.:
(Referindo-se a uma obra de Heríodo) Você se lembra do que ele (Heríodo) fala
sobre uma raça de homens de ouro que vieram (à Terra) primeiro?
Her.:Sim,
me lembro.
Soc.:
Ele diz:
“Mas
agora o destino se fechou sobre essa raça
Eles
são os DEMONS (sábios/gênios/ESPÍRITOS) sobre a Terra.
Caritativos,
livre de doenças, guardiões dos homens mortais.”
Ao
ler esse pequeno trecho do verso de Heríodo, não temos a imediata ideia dos espíritos benfeitores a cuidar dos homens encarnados?
E
o texto Cratylus continua:
Her.:
Qual a conclusão?
Soc.;
Qual a conclusão? Eu suponho que ele (Heríodo) tenha dado a “homens de ouro”
não o significado literal de ser feito de ouro, mas sim, de serem criaturas
boas e nobres e eu estou convicto disso porque, mais adiante, ele diz que são
uma raça de ferro.´
Heríodo,
como podemos perceber no texto, poderia muito bem ter dado o sentido metafórico
de LUZ para a palavra OURO.
Her.:
É verdade.
Soc.:
E você não acha que “homens de ouro” em nossos dias seria descrito por ele como
“raça de ouro”?
Nesse
trecho, Platão abstrai o sentido de Heríodo, ampliando-o e elevando a palavra “homem” para uma espécie
acima dos homens mortais. Seria uma categoria superior, os “espíritos
elevados”,como bem podemos perceber nas linhas seguintes:
Her.:
Verdade.
Logo:
Homens de ouro = ESPÍRITOS DE LUZ!
Soc.:
E o que é bom não é (igualmente) sábio?
Her.:
Sim, é.
Soc.:
Então eu tenho inteira convicção de que ele (Heríodo) os chamou de “Demons”
porque eles eram “Daemones” (conhecedores
ou sábios na língua grega) e em nosso velho dialeto essa palavra aparece. Ele e
outros poetas dizem, verdadeiramente, que quando um homem bom morre, ele recebe
honra e reconhecimento entre os mortos, e se torna um “demon”, que é o nome
dado a ele devido a sua significante sabedoria.
E
eu digo isso também, porque todo homem sábio que acontece de ser um homem bom é
mais do que humano (daimonion), não apenas na vida, mas também na morte, e ele
é corretamente chamado de “Demon” (Sábio, e posteriormente como bem disse
Kardec, espírito de modo em geral).
Mais
do que corroborar com a explicação de Allan Kardec para a palavra “Demon” (Veja
o Evangelho Segundo o Espiritismo pág 35), que era a denominação dada pelos
gregos aos espíritos, esse trecho de “Cratylos” afirma que é essa uma palavra
atribuída aos espíritos sábios e bons, devido à ilibada qualidade moral dos
mesmos. Como se vê, essa palavra não tem a menor ligação com o sentido que ela
assumiu , diante da visão dos católicos da idade média, de que “Demons”, os
demônios, seriam espíritos criados na
sua origem pelo diabo e essencialmente maus.
O
trecho transcrito acima afirma categoricamente, ainda, que há a vida após a
morte, ao estender a qualidade de ser bom e sábio para o além túmulo.
Mais adiante, o texto analisa a origem da palavra “Psique” (alma) e Soma
(“Corpo”).
Soc.:
Quando a alma está no corpo ela é a
fonte da vida e dá (a ele) o poder de respirar e reviver (anapsichon) e quando
seus poderes de reviver falham, o corpo padece e morre, então, se eu não
estiver enganado, a alma é chamada “Psique”.
Aqui,
como podemos notar, a alma assume dois estados: a de estar unida ao corpo, como
sua força motriz, e como a descrita pelo “Livro dos Espíritos”, como sendo
livre do corpo, chamada então de “Psique”. Platão fala da alma como sendo algo
pré-existente, anterior ao corpo e que pode estar, ou não, unida ao Soma
(corpo).
Mais
adiante:
Her.:
Mas o que nós dizemos da próxima palavra?
Soc.:
Você quer dizer Soma (corpo)?
Her.:
Sim.
Soc.:
Isso pode ser interpretado de maneira variada, e ainda mais variavelmente se
uma troca de letras for permitida. (O texto se refere à troca da palavra SOMA
por SEMA).
Soc.:
Por alguns, é dito que o corpo é o túmulo (Sema) da alma que pensam enterrar em
nossa vida presente. Diz-se como sendo o index da alma, porque a alma dá
indicações (SEMAinei) ao corpo.
Provavelmente,
os poemas de Orpheu foram os inventores desse nome, porque eles estão sob a
crença de que a alma está sofrendo (no corpo) as punições pelos seus pecados e
de que o corpo é uma clausura ou prisão, na qual a alma é encarcerada, mantida
segura ( soma / sozetai), como o nome
“ooma” implica, até que a penalidade
seja paga. De acordo com essa visão, nem uma única letra (de Soma)
precisa ser modificada para se exprimir o total sentido do seu significado.
Nesse
trecho, Platão consagra a visão de Orpheu para o corpo (Soma).
Como a Doutrina Espírita propaga, o corpo é um veículo ou ferramenta para o espírito
expiar dívidas de vidas anteriores e para evoluir de acordo com a "Lei do Progresso". Sob esse enfoque, a teoria das “Penas
Eternas”, apregoada por algumas religiões, aqui não encontra espaço, uma
vez que fica claro existir a penalidade
de enclausuramento no Soma apenas em
caráter temporário, até que a divida
espiritual seja paga.
Aliás,
o próprio Cristo derruba a teoria das “Penas Eternas”, quando diz:
“
Entra em acordo sem demora com teu adversário, enquanto estás em caminho com
ele, para que não suceda que te entregue ao juiz e o juiz te entregue ao teu
ministro e seja posto em prisão. Em verdade te digo, dali não sairás antes de
teres pago o último centavo”.
(Mateus
5. 6 - 25 e 26)
As almas desencarnadas, maculadas
por rixas cheias de ódio, se prendem em grilhões "cármicos" e recebem, de acordo
com suas obras e intenções, a sentença do “grande Juiz”, Deus. Porém fica claro
na citação do Messias que nenhuma dívida é eterna e que o espírito, uma vez que
tenha expiado suas imperfeições,e aprendido com elas, está perdoado e liberto. Como o preso que sai
do seu cárcere, ele não precisa mais encarnar. Já pagou sua dívida “até o
último centavo”.
Como
se vê, os gregos já debatiam vários
conceitos que foram abordados no Livros dos Espíritos e essa breve análise
nossa, além de trazer à luz a beleza do Espiritismo, realça o aspecto
filosófico contido no seu tríplice aspecto de ciência, doutrina e religião.
Até o próximo "post", quando falarei um pouco sobre OS MISTÉRIOS DE ELEUSIS.
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